sexta-feira, novembro 18, 2011

100 anos!


Que beleza, hein, vó! Um século! Já pensou, que festão a gente ia fazer? Pena que você não está mais por aqui. Mas eu sei que está bem, num lugar legal, bem acompanhada por tanta gente querida.

Por aqui, tudo legal. A vida segue em frente. Ainda não consegui te dar aquele bisneto, mas continuo tentando. Se puder dar uma força daí, será bem-vinda, porque tá cada vez mais difícil e a idade chega para todo mundo, até para a sua netinha... Se eu não conseguir, não fique triste, os cinco que você já tem são lindos, vão te encher de orgulho.

No ano passado, realizei um sonho seu e fui conhecer Portugal. Imagino o quanto você teria gostado do passeio. Vi você lá o tempo todo. Vi muitas Candinhas pela rua, muitas senhorinhas iguais a você, o mesmo cabelinho liso, o mesmo corte. Vi muitos Bisos e tios Júlios também. Descobri minhas raízes, foi revelador, aconchegante, me senti em casa. Provei daquele bacalhau especial - daquele em lascas, do "prá quem é, bacalhau basta". Provei das frutas, dos azeites, das cavaquinhas e queijadas, dos pastéis de Belém e de Tentúgal, dos travesseirinhos de Sintra, dos papos de anjo, dos ovos moles de Aveiro, da lampreia de Leiria. Vi os bordados da Madeira e as faianças do Alentejo. Vi jardins de oliveiras e azevinhos. Usei e abusei do pretérito imperfeito no lugar do futuro do pretérito. Voltei com sotaque. E, principalmente, chorei muito, o tempo todo, de felicidade, de tristeza, de saudade, de gratidão por você ter-me apresentado àquilo tudo, àquelas tradições que você nunca viu, mas aprendeu e repassou, com toda a sabedoria que você tinha.

E não era pouca sabedoria, né, vó? Como você sabia das coisas! Não se enganava com as pessoas, sabia direitinho ler nas entrelinhas, analisar sorrisos falsos e más intenções. Não mostrava os dentes para quem não merecia. E suas comidinhas, que delícias! Eu tento reproduzir suas receitas, mas sou muito crítica, quero que fique igual ao que você fazia. O Luiz diz que tá bom, mas, enquanto não ficar idêntico ao sabor que eu tenho na lembrança, não me contento. Outro dia, fiz um bolo prestígio para a mamãe, no aniversário dela e, sem saber, rompi um jejum de onze anos, porque, desde que você foi embora, ninguém mais tinha feito bolo de aniversário naquela casa. Fiz com mar revolto, baba de moça e tudo o que tinha direito. Foi uma choradeira...

Sabe, eu cheguei a pensar que, com o tempo, ia me acostumar com a sua ausência. Sou uma boba, né? Não tem jeito, não. Essa saudade só aumenta... Queria muito poder dar um beijão na sua bochechinha macia agora e dizer pessoalmente o quanto me orgulho de ser sua neta. Mas eu sei que a senhora está sempre por perto, me amparando nas besteiras e comemorando comigo as vitórias.

Feliz centenário, vó! Cuide-se bem. Um beijo enorme e toda a luz do mundo para você.

Thaïs