quarta-feira, abril 19, 2006

A adolescência da Candinha


Quando completou treze anos, Candinha foi trabalhar em um ateliê de alta costura.

O ateliê atendia à alta sociedade, pela porta da frente, e ao baixo meretrício, pela porta dos fundos. Candinha contava que era a costureira preferida de uma prostituta famosa, que sempre a escolhia para fazer os ajustes dos vestidos e lhe dava boas gorjetas. Também confeccionou lindos vestidos de noiva, que nunca seriam usados, porque as mocinhas que os encomendavam eram prostitutas que não queriam desgostar suas famílias no interior e justificavam a permanência em Santos com retratos de um casamento falso. As conversas maliciosas que ouvia durante as provas a chocavam, mas ela achava graça e ria das estórias. Escutava e aprendia muitas coisas; algumas boas, outras nem tanto: nesta época, incomodada com o calor do verão santista e com as manchas amarelas que o leite de colônia deixava em suas blusas, ouviu de uma cliente uma dica preciosa: passar limão assado debaixo dos braços. Ela passou, ainda quente, ficou com duas grandes bolhas nas axilas durante um mês, nunca mais precisou de desodorante e criou um método revolucionário de depilação definitiva.

A educação era rígida e cheia de regras. Vaidades e luxos eram tidos como liberdades e prontamente reprimidos. Candinha contava que, apesar de trabalhar com alta costura, tinha um guarda-roupa bem restrito, composto por peças simples que ela mesma confeccionava. Ela ganhava os cortes de tecido no seu aniversário: cambraia para blusinhas novas, alguns cortes de tecido mais encorpado para as peças mais importantes. Além disso, ganhava um par de sapatos novos. As peças novas ganhavam status de "roupa de sair", as do ano anterior iam para o dia-a-dia e as mais antigas eram usadas dentro de casa. Tudo muito discreto, para não chamar a atenção. Aos quinze anos, Candinha queria cortar o cabelo curto, a la garçonne, mas seu pai não permitiu. O jeito foi cortar uma franja para imitar o estilo e prender a parte longa com um coque na nuca. Uma vez, entrou em casa sob a mão pesada do seu pai, porque estava rindo na porta, na época em que correu a notícia de que uma moça da vizinhança tinha dado um "mau passo".

A "costura", como ela chamava seu emprego, também ajudou o início do namoro com Gaspar. Na verdade, nos primeiros anos, namorar significava corresponder a um aceno que ele lhe dava, quando ficava "casualmente" na porta de casa no horário em que ela passava, indo ou voltando da costura. Alguns anos depois, Gaspar foi autorizado a acompanhá-la no trajeto. Noivos, podiam ir ao cinema... com a família inteira acompanhando, é claro.

Quando saiu de lá para se casar, aos dezoito anos, tinha aprendido tudo sobre tecidos, cortes, viés, plissés, pregas, godés, casinhas de abelha e outras artes de agulha. Com muita competência, completou o guarda-roupa da família durante décadas.(Thaïs)

quarta-feira, abril 12, 2006

A infância de Candinha




Adelaide, com Júlio no colo, Maneco, Lidia e Candinha














Candinha não era de falar muito de sua infância. Me lembro de ouvir algumas poucas histórias, como a do cachorro Tejo que lhe fazia companhia quando ela era pequeninha e ficava num cercado de madeira enquanto os pais trabalhavam. Segundo dizia, era comum que o cachorro avançasse na comida que davam a ela. Conta a lenda que ele adorava batatas com azeite. Nem todas as histórias eram engraçadas. Primeira filha do casal de imigrantes portugueses Francisco Simões, garçom, e Adelaide da Conceição, dona-de-casa, cursava o terceiro ano primário quando foi tirada da Escola Barnabé, em Santos, para ajudar a cuidar dos três irmãos mais novos. Sabia ler, escrever e fazer as contas – e isso já era muito para uma menina do final da década de 1910. Todos os irmãos tiveram a chance de estudar mais do que ela. Mais de cinquenta anos depois de encerrar sua vida escolar, ela ainda mostrava tristeza quando lembrava do trauma de sair forçada do colégio. Mas exorcizava a amargura ajudando os netos a fazer a lição de casa. Outra lembrança triste era a da gripe espanhola, que em 1918 levou seu pai para um hospital de isolamento em Santos, acho que a Beneficência Portuguesa – ele se salvou – mas matou sua irmã mais nova, Giselda, um bebê. Um outro caso que Candinha contava dava conta da severidade da educação portuguesa. Seu irmão Maneco uma vez ousou desafiar uma ordem da mãe desfiando o que devia ser um bordão da época: “Diz isso cantando, borboleta”. Ele nunca se esqueceu do tapa na boca que levou. (Fabrício)

domingo, abril 09, 2006

Receita da Candinha #13 - Esfihas de Kafta


Massa:
4 xícaras de farinha de trigo
15 g de fermento biológico
1 xícara de leite morno
1/2 xícara de óleo de canola
1 colher de chá de açúcar
2 colheres de chá de sal

Recheio
500 g de carne moída
1 cebola grande
2 tomates graúdos sem sementes
2 colheres de sopa de suco de limão
Zattar a gosto (Candinha não usava)
Sal e azeite a gosto

Modo de Preparo:
Coloque o fermento em uma tigela.
Acrescente o açúcar e dissolva o fermento.
Acrescente o leite morno e misture bem.
Peneire a farinha e o sal em outra tigela.
Misture o óleo à mistura de fermento e leite, e despeje lentamente sobre a mistura de farinha.
Amasse bem, até obter uma massa bem lisa -- se necessário, acrescente mais um pouco de farinha.
A massa deve ficar bem macia, não pode ficar pegajosa.
Cubra a massa com um pano úmido e colocar para fermentar por cerca de 40 minutos em local morno.
A massa vai dobrar de volume ao longo desse período.

Após a massa crescer bem, amasse-a novamente por cerca de 2 minutos e divida-a no formato de bolas de ping pong.
O rendimento aproximado é de cerca de 30 unidades.
Coloque-as em uma assadeira levemente untada, e deixe descansar.

(A Candinha costumava usar como termômetro uma bolinha da massa, que ela jogava dentro de um copo d'água -- quando a bolinha subisse para a superfície do copo, era sinal de que a massa estava pronta para ser assada.)

Para o recheio, pique finamente a cebola e o tomate, e misture à carne moída.
Acrescente o suco de limão, o zattar, e o azeite, e deixe curtir por alguns minutos.
Por último, acrescente o sal, sempre com muito cuidado
Aqueça o forno em temperatura máxima.
Prepare com a massa discos de cerca de 8 cm, deixando as bordas mais grossas.
Os discos das esfihas devem ser abertos à mão, e cobertos com bifinhos de kafta bem pensados, feitos com o recheio de carne já curtida nos temperos.
Leve ao forno e asse até as esfihas ficarem levemente douradas,

Sirva imediatamente, acompanhado de folhas de alface, além de rabanetes e pepinos fatiados bem fininhos.
Ou então sirva com coalhada seca.
Ou então, sirva tudo junto, que é ótimo.

PS1: O Zattar é o tempero sírio-libanês já encontrado pronto. É fácil de achar em casas típicas. Caso não encontre prepare uma mistura com canela em pó, pimenta-do-reino branca em pó, gengibre em pó, noz moscada ralada e pimenta da Jamaica ralada que você chega lá.

PS2: Este é mais um ítem do livro de receitas da "Maria Maravilhosa" que a Candinha incorporou ao seu repertório. Como a Candinha temperava menos sua comida que a Tia Maria, suas esfihas ficavam mais leves. Mas tanto as dela quanto as da Tia Maria são deliciosas. Cada uma à sua maneira. (Chiquinho)

Receita da Candinha #12 - Quibe de Forno


Ingredientes:
500 gramas de trigo para quibe
1 kg de carne moída 2 vezes
10 ramos de hortelã bem picados
2 cabolas grandes bem picadas
3 ou 4 limões
3 ou 4 colheres de chá de zattar (Candinha não usava)
Sal, azeite e manteiga a gosto

Recheio:
100 gramas de castanhas do pará bem picadas (Candinha não usava)
100 gramas de passas (Candinha não usava)
2 cabolas grandes bem picadas

Preparo:
Na véspera, deixe o trigo de molho em 2 litros de água.

No dia seguinte, coloque a carne para descansar no suco de 3 ou 4 limões.
Em seguida, filtre a água onde o trigo descansou com a ajuda de um pano de prato.

Então, misture a carne moída ao trigo usando as mãos, até que a carne e o trigo se misturem por completo.
Acrescente o azeite, as duas cebolas picadas, a hortelã, e o zattar durante o processo de mistura.
Por último, acrescente o sal, com muito cuidado, e misturando bastante.

Se tiver um moedor de carne em casa, pode dispensar esse procedimento colocando a carne, o trigo e os outros ingredientes para moer juntos.

Arrume numa forma refratária, besunte com azeite e forme uma primeira camada de quibe.
Prepare o recheio do quibe com as outras 2 cebolas picadas, as passas e as castanhas do pará.
Cubra com a segunda camada do quibe, e, por último, doure distribuindo pedacinhos de manteiga por cima.

Leve para assar em forno quente por cerca de 30 minutos.
Sirva com folhas de alface, e pepinos e rabanetes cortados bem finos.
Ou então, sirva acompanhado de tabule.

PS: Candinha aprendeu a fazer uns poucos pratos libaneses com a Tia Maria, que é craque absoluta nessa categoria de culinária. Como não gostava de usar zattar -- achava muito ardido --, seus pratos libaneses não tinham exatamente um sabor libanês. Eram mais uma variação bem caseira e simplificada das receitas da Tia Maria. Mas, apesar do sabor muito suave, eram bem saborosos. Como eu sempre gosto de temperar bem quando preparo esse quibe, à moda da Tia Maria, não sei mais como chegar àquele sabor suave que a Candinha praticava. Mas lembro dele com saudades. (Chiquinho)

domingo, abril 02, 2006

Coisas de Laurinha...digo, de Candinha


Candinha fazia esses pratos maravilhosos, mas exigia respeito na hora de comer. Tinha que sentar à mesa direitinho, comer devagar, nada de levar o prato para a frente da tv.

Uma vez, um amiguinho do Fábio, ainda em Santos, teve a coragem de chamar o bolo de laranja dela de bolo de fubá. Para quê, ela ficou anos ofendida.

Uma outra vez, foi muito engraçado: um ex-namorado meu estava lá em casa, na hora do lanche e "tentou" passar manteiga no bolo que ela havia acabado de assar. Ela simplesmente tirou o prato do bolo da frente dele e disse: "Não no meu bolo!". E não devolveu!!! Com todo o meu apoio! (Thaïs)